terça-feira, 30 de outubro de 2012

Quantificações


No meu texto de ontem disse que:

Há a questão fiscal, em que a progressividade do IRS se degrada, sendo menos afectados os que ganham mais do que 160.000€/ano do que os que ganham 8.000€/ano.
 
Esta afirmação pode parecer pouco fundamentada por si. Não é. Tem, contudo, uma gralha (deveriam ser 10.000 e não 8.000 ali em cima).

é importante olhar para os números. Especialmente num contexto em que o Ministro das Finanças publicamente diz que a progressividade do imposto se mantém ou até mesmo aumenta.
 
Mas a nossa Constituição não se satisfaz com uma mera progressividade do IRS meramente simbólica.
 
A progressividade surge na Constituição como um instrumento de justiça social e redistribuição de riqueza. Há quem não goste dessa ideia. Mas, goste-se ou não, é esse o actual texto constitucional.
 
Basta olhar para as simulações do IRS (vejam-se as do Diário Económico)

Para aquilo a que se chamava classe média e média baixa com rendimentos entre 1.500 e 2.250 € mês por agregado familiar as variações são sempre acima de 40% de imposto a mais, podendo em casos extremos chegar a 200%.
 
Os muito ricos, com vencimentos acima de 25.000€ mês por agregado familiar nunca excede os 18% de imposto a mais.
 
E não é só um problema jurídico de constitucionalidade. A verdade é que o sistema fica menos progressivo e menos redistributivo.
 
Se o Tribunal Constitucional fará uma leitura mais formalísta – desde que haja um mínimo de progressividade e redistribuição cumpre-se o texto constitucional – ou irá antes para uma tese de não retrocesso do grau de cumprimento do objectivo de progressividade e redistribuição acaba por ser o que está em causa. 
 
Qualquer que a decisão seja ela será, espera-se, uma decisão mais densa e fundamentada do que a declarou a não constitucionalidade do corte dos subsídios que, ruído mediático à parte, deixou um pouco a desejar para quem quer perceber melhor o que entende o Tribunal. 
 
Esta escolha terá também um impacto económico particularmente perverso. A procura interna depende da classe média muito mais do que se pensa.
 
O efeito recessivo desta perda de progressividade fiscal vai ajudar a que, como diz o projecto de parecer do Conselho Económico e Social, possamos vir a ter dor sem ajustamento. Como aconteceu este ano.