quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Opinião Pública (and then some)




Acabar o Euro

Este post corresponde ao artigo com o mesmo título publicado hoje no Diário Económico, mas com o texto original (citado aqui em itálico) acompanhado da inclusão de alguns gráficos e breves referências bibliográficas, incompatíveis com as limitações de espaço naturais num artigo de opinião.

Mark Blyth, no seu recentíssimo “Print Less but Transfer More - Why Central Banks Should Give Money Directly to the People” (com Eric Lonergan) trouxe para a discussão pública uma questão que tem sido remetida ao obscurantismo pela força dominante do pensamento alemão sobre o papel que um Banco Central pode e deve ter quando confrontado com uma crise económica.

O artigo está integralmente disponível no número deste mês da Foreign Affairs, e pode ser consultado aqui.

Com interesse manifesto ver também as referências ao mandato do BCE, que tive o prazer de discutir directamente com o próprio, numa visão mais “jurídica” dos Tratados no seu ““The Sovereign Debt Crisis That Isn’t: Or, How to Turn anLending Crisis into a Spending Crisis and Pocket the Spread”.

Se aceitarmos a premissa de que, perante um cenário de inflação muito baixa, ou mesmo deflação, com taxas de juro já próximo do zero, o Banco Central deixa de conseguir estimular a economia com políticas monetárias ditas convencionais (via taxa de juro), temos de aceitar a consequência: são precisas medidas não convencionais. De preferência, já.

Sobre este conceito veja-se, por todos, Paul Krugman, por exemplo aqui e aqui.

Mas até aí a Europa enfrenta um cenário difícil. Copiar as políticas não convencionais americana, inglesa ou japonesa é uma solução melhor que não fazer nada, mas está longe de ser a ideal. O chamado Quantitative Easing depende um sector financeiro capaz de funcionar como correia de transmissão à economia real do alívio monetário, mas temos uma Banca tolhida pelo peso de balanços gigantescos cuja limpeza de imparidades está por fazer.

Os dados em presença são estes (retirados a conferência de Mark Blyth em Lisboa, a convite do IDEFF, disponível aqui).

É verdade que os Bancos americanos têm balance sheets muito expressivas:















Mas não é menos verdade que a situação é muito pior na Europa, mais de duas vezes pior:

 













E, cálculos nossos, o mesmo se passa em Portugal (dados de finais de 2012):


















Mais provas fossem precisas, basta termos em conta que dois gigantescos LTRO se traduziram em resultados nulos quanto à concessão de crédito à economia, que continuou em queda: 


















É nesse contexto que a proposta de Mark Blyth assume particular importância: oferece um caminho alternativo e com vantagens. O estímulo monetário à Economia feito directamente junto das famílias é, desde logo, mais rápido nos seus efeitos. Como cada pessoa terá as suas prioridades (consumo, aforro, investimento), não teremos a criação de bolhas de activos, como é provável no QE tradicional. E, por fim, pode por essa via fazer‑se um reequilíbrio ad-hoc e interino, da Zona Euro, que continuará a precisar, para o futuro, de mecanismos permanentes com o mesmo objectivo. A reacção não será boa. Para além do fantasma alemão da inflação (historicamente falso e culturalmente empolado), vamos ouvir falar de “radicalismos”. Mas esta é uma proposta tudo menos marginal. Basta ver o que sobre ela escreveram, entre outros, Milton Friedman, ou Bernard Bernanke.

Sobre o erro histórico alemão de associar o fenómeno da inflação ao surgimento do regime nazi, sendo que o mesmo beneficiou muito mais do período de deflação pode ver-se o excelente sumário da insuspeita Economist, e as fontes aí referidas.

Para melhor conhecer a posição de Bernandke ver aqui.

Sobre a política monetária e em complemento recomenda-se ainda “Revisiting Monetary Policy in aLow-Inflation and Low-Utilization Environment” ou “The Potential Instruments of Monetary Policy”.

O óbice final? A Alemanha, que continua a fingir que não percebe que, enquanto uma das maiores beneficiárias do Euro, sob a forma de uma zona de comércio livre para os seus produtos com 500 milhões de consumidores e uma taxa de câmbio manifestamente mais favorável do que a que teria sozinha, não pode continuar a insistir em reservar esses ganhos para si e só para si. Entre 1992 e 2012 o PIB per capita alemão aumentou 450€. O português? 20. Alguma coisa tem de ser feita.

Quanto ao benefício em termos cambiais da Alemanha vejam-se os seguintes dados (de Dominick Salvatore):















A quantificação dos dados sobre os ganhos no PIB per capita resulta de um paper recentíssimo (disponível, no sumário em inglês, aqui), de que se destacam estas informações, citadas no texto:




















Não seria a primeira vez que a Alemanha destruía a harmonia na Europa, mas convém ainda assim evitar que tal se repita. Só depende de todos nós.

Esta conclusão, infelizmente, não precisará de fontes ou dados adicionais. É dos livros de História. Aquela que, inflizmente, se pode sempre repetir.